domingo, 21 de abril de 2013

apocalipse segundo

naqueles dias me veio a visão. estava sob um platô e não podia ver meus pés, o chão sob mim era a continuidade do meu corpo, ao redor tudo era claridade e vazio, uma brancura cegante e eu vi o fim.

olhei minhas mãos, a pele que as cobria era muito fina e sentia toda a atmosfera. eu estava só. de repente uma força centrífuga me retirou dali, senti um torpor e uma agonia como quem quer gritar e só encontra o vácuo. acordando, como quem dormira há dias, eu estava na plataforma de uma estação de trem, não conseguia entender se acabara de desembarcar ou se estava de partida.

alguns segundos depois um trem chegou, surgiram dentro e fora dos vagões homens e mulheres, seus rostos eram transparentes, pois eu via através deles, eles carregavam papéis e esferas, alguns também portavam engenhocas que eu não conhecia, instrumentos que nunca havia visto antes, outros, pesados sacos de conteúdo também desconhecido e relógios.

estes homens iam e vinham e como seus rostos eram opacidade não era capaz de distinguir-lhes as feições, de modo que pareciam cópias uns dos outros, repetições, deja-vus, mesmo seus trajes eram peças diversas recombinadas entre si, como as cartas de um baralho. eles ora vinham do oriente, ora do ocidente, depois esmaeciam até não poderem mais ser vistos - eu estava novamente só, muito embora meus pés, neste instante, estivessem comigo.

era fato que, assim como eu não via o semblante daqueles homens e mulheres, o que não me dava reconhecer nenhum deles, eles também não me olhavam, eram pasmos e levitantes, cada um deles era a unidade desvinculada do outro e também daquele trem. enquanto caminhavam desenhavam como que uma coreografia, porém, quando mudavam de direção tudo parecia o mesmo, apesar do rearranjo a alteração não produzia nenhum efeito sobre a realidade de estarem ali.

o trem partia, chegando já outro que também parecia sempre o mesmo, as pessoas entravam e saiam dos vagões, mais uma vez não era possível entender se os que chegavam não seriam os mesmos de partida. foi quando olhei para o alto e vi uma torre onde se avistava um grande relógio, seus ponteiros giravam horário e anti-horário, vindo dar sempre à mesma hora. eram duas.

de repente meus olhos piscaram pesadamente. [escuro]. quando pude abri-los me vi numa grande arena, eu e a multidão de homens e mulheres da estaçã. olacal era amplo e árido, ao nosso redor via-se altos muros e nestes, escadas em várias direções, pareciam levar a lugar nenhum ou ao abismo.

entre nós alguns homens aos quais eu chamaria líderes do grupo, eles nos faziam caminhar após e ante outros e nos organizavam, nos faziam executar movimentos com os braços e a cabeça; nós sorriamos, eles não eram rudes e também sorriam, todos acenávamos com o olhar. de quando em quando nos faziam perguntas, aleatoriamente, estas não tinham sentido e a resposta era sempre a mesma e todo aquele que fosse interrogado, ao responder, recebia uma moeda. nada era familiar, embora não fosse estranho e meu estado não era de incômodo, ao contrário, sentia uma misteriosa satisfação por estar ali.

entramos num grande armazém, um galpão com muitas luzes, nas paredes escorria, num fio, um líquido visguento e rubro, maquinários flutuavam sobre nossas cabeças, emitindo vibrações que nos faziam reagir com euforia contida, um espasmo jubiloso, vindo na boca uma salivação ácida. [sorria].

das altas janelas do galpão eu via a noite.

tudo, então, foi acelerando. os homens se movimentavam numa rapidez violenta, o sorriso lhes causava contorções na face e aquelas máquinas começaram a piscar luzes alaranjadas e roxas, no entanto, não havia um ruído sequer, apenas a cena vertiginosa e muda. o espaço ficou oco. senti um apavoramento, os homens e mulheres começaram a se dissolver em pó - desejei fugir, de repente as luzes apagaram, era silêncio e negrume, minhas pernas amorteceram e caí.

quando voltei ao real estava sentado na cama de um quarto que eu não reconhecia e já não me lembrava o que havia antes desta visão. busquei ainda a saída, não havia – eu podia encontrar no vácuo ou no silêncio de mim mesmo? talvez. nunca cheguei a sabê-lo e quando estava quase por agarrá-lo o perdi. por quarenta dias e para sempre.

depois deste acontecimento eu era extensão. nuvens de gases eclodem magicamente em minha mente e eu morri. morri milhões de mim, morri por vários anos. eu já não sei se durmo, se sonho ou se sou a projeção da existência de alguém que dorme, alguém que existe enquanto dorme.

e então veio o fim o silêncio e o agora [a ausência que faltava].

apocalipse segundo

naqueles dias me veio a visão. estava sob um platô e não podia ver meus pés, o chão sob mim era a continuidade do meu corpo, ao redor tudo era claridade e vazio, uma brancura cegante e eu vi o nada, do que também era feito.

olhei minhas mãos, a pele que as cobria era muito fina e sentiam toda a atmosfera. eu estava só. de repente uma força centrífuga me retirou dali, senti um torpor e uma agonia como quem quer gritar e só encontra o vácuo. acordando, como quem dormira há dias, eu estava na plataforma de uma estação de trem, mas não podia saber se acabara de desembarcar ou se estava de partida.

alguns segundos depois um trem chegou, surgiram dentro e fora dos vagões homens e mulheres, seus rostos eram transparentes, pois eu via através deles, eles carregavam papéis e esferas, alguns também portavam engenhocas que eu não conhecia, instrumentos que nunca havia visto antes, outros, pesados sacos de conteúdo também desconhecido e relógios.

estes homens iam e vinham e como seus rostos eram opacidade não era capaz de distinguir-lhes as feições, de modo que pareciam cópias uns dos outros, repetições, deja-vus, mesmo seus trajes eram peças diversas recombinadas entre si, como as cartas de um baralho. eles ora vinham do oriente, ora do ocidente, depois esmaeciam até não poderem mais ser vistos - eu estava novamente só, muito embora meus pés, neste instante, estivessem comigo.

era fato que, assim como eu não via o semblante daqueles homens e mulheres, o que não me dava reconhecer nenhum deles, eles também não me olhavam, eram pasmos e levitantes, cada um deles era a unidade desvinculada do outro e também daquele trem. enquanto caminhavam desenhavam como que uma coreografia, porém, quando mudavam de direção tudo parecia o mesmo, apesar do rearranjo a alteração não produzia nenhum efeito sobre a realidade de estarem ali.

o trem partia, chegando já outro que também parecia sempre o mesmo, as pessoas entravam e saiam dos vagões, mais uma vez não era possível entender se os que chegavam não seriam os mesmos de partida. foi quando olhei para o alto e vi uma torre onde se avistava um grande relógio, seus ponteiros giravam horário e anti-horário, vindo dar sempre à mesma hora. eram duas.

de repente meus olhos piscaram pesadamente. [escuro]. quando pude abri-los me vi numa grande arena, eu e a multidão de homens e mulheres da estação, era uma lugar muito amplo, com altos muros, nestes,  escadas em várias direções, pareciam levar a lugar nenhum ou ao abismo

entre nós haviam alguns homens aos quais eu chamaria de chefes, pois eles nos faziam caminhar em ala após e ante outros, nos faziam executar movimentos com os braços e a cabeça; nós sorriamos, pois eles não eram rudes, eles também sorriam e todos acenavam com o olhar. de quando em quando nos faziam perguntas, aleatoriamente, elas não tinham sentido e a resposta era sempre a mesma e todo aquele que fosse interrogado ao responder recebia uma moeda. nada fazia sentido, mas meu estado não era de incômodo, ao contrário, eu tinha uma estranha satisfação por estar ali.

entramos num grande armazém, um galpão com muitas luzes, nas paredes escorria num fio um líquido visguento e rubro, maquinários flutuavam sobre nossas cabeças, emitindo vibrações que nos faziam reagir com euforia contida, um espasmo jubiloso, vindo na boca uma salivação ácida. [sorria].

das altas janelas do galpão eu via a noite.

tudo, então, foi acelerando. os homens se movimentavam numa rapidez violenta, o sorriso lhes causava contorções na face e aquelas máquinas começaram a piscar luzes alaranjadas e vermelhas, no entanto, não havia um ruído sequer, apenas a cena vertiginosa e muda. o espaço ficou oco. senti um apavoramento, os homens e mulheres começaram a se dissolver em pó - desejei fugir, de repente as luzes apagaram, era silêncio e negrume, minhas pernas amorteceram e caí.

quando voltei ao real estava sentado na cama de um quarto que eu não reconhecia e já não me lembrava o que havia antes desta visão. busquei ainda a saída, não havia – eu podia encontrar no vácuo ou no silêncio de mim mesmo? talvez. nunca cheguei a sabê-lo e quando estava quase por agarrá-lo o perdi. por quarenta dias e para sempre.

depois deste acontecimento eu era extensão. nuvens de gases eclodem magicamente em minha mente e eu morri. morri milhões de mim, morri por vários anos. eu já não sei se durmo, se sonho ou se sou a projeção da existência de alguém que dorme, alguém que existe enquanto dorme.

e então veio o fim o silêncio e o agora [a ausência que faltava].

apocalipse primeiro


duzentos mil anos se passaram. eu que aqui cheguei tive por missão lhes contar estas memórias [como quem ergue um brinde] antes que venha o fim.

nosso terreno a muito já não é o centro, orbitamos entre-junto a outras esferas. meu mundo já não se reconhece mais, a coroa foi retirada da cabeça, nossos olhos nos traíram.

!

e nos tempos finais se anunciará que a cabeça guarda sob a coroa algo que não sabemos, veladamente, um não sei que me reza, que me antecede, me prediz; meu disfarce ilúcido. ato falho.