estou querendo falar sobre o ato de ler, não vou desenrolar uma teoria do conhecimento ou sequer uma filosofia da linguagem, eu não teria ferramenta para isto e nem é o que desejo, apenas fico pensando em como tudo isto é possível, como tudo acontece: que eu seja capaz de significar códigos impressos num papel, e que ao fazê-lo, imagens são projetadas na minha alma. isto é rico! nem consigo manifestar o quanto me sinto maravilhada.
quando leio, um filme se passa na minha mente, sensações são geradas, e são em certo grau vivas, são latentes.
quando leio me liberto do cotidiano, habito outro lugar, compartilho outras possibilidades, expando a mente. construo-me humano. haveria alguma metafísica nisto? o papel, imagens em mim, sensações, uma história, qualquer história, pensamentos, conexões, o mundo, no papel, em mim.
de qualquer maneira foi a oportunidade de me distanciar dos meus dias profundos e cansados e de me conceder este prazer singelo. daí que fiquei pensando de quantas coisas na vida deixei de fazer, por preguiça, por apatia, e de como a rotina me absorve e me engana, não há nada de necessário no cotidiano, apenas hábitos incoerentes a que me conformei. penso também que devo despertar para outra coisa, algo que não sei exatamente o que é, e que não chega a ser só subjetividade, algo que intuitivamente já devo ter experimentado um dia, voltar ao caderno de escrita com mais freqüência, por exemplo, cultivar um senso de humor menos ácido e mais grato, cozinhar, fazer planos, lembrei-me de que em algum lugar da minha história eu gostava de desenhar, gostava de caixinhas de música, andava descalça e dançava enlouquecidamente, por horas, no meio da sala enquanto a faxina esperava, ela podia esperar, aquele meu ímpeto de extravasar, não!
pois bem, após um começo de ano difícil, ainda esgotada, um pouco mais lúcida, porém menos entusiasmada, considerando estas coisas e a doce alegria que sinto na alma apenas por terminar de ler um livro, embora não tendo vencido a terrível questão, embora não estando convencida de que haja sentido, finalmente e após dias, posso dizer e quero dizer porque hoje é concreto em mim, porque faz sentido mesmo que seja só por hoje: é bom estar viva! alguns dos que me lêem sabem bem do que estou falando. tal é o caso: necessito habitar meus dias, estou viva, e careço de estar atenta ao fato, há muito que fazer. estou viva e isto é bom!
k.guimarães