quinta-feira, 27 de agosto de 2009

lugares

os lugares me oprimem ou serão as pessoas?
há lugares frios, nada aquece, outros patológicos cor de úmido
há lugares em que meu corpo não se assenta
sempre um desconforto
sempre uma demora
luzes que confundem e espaços, vagos espaços
há pessoas que ocupam os lugares
amplos.
há pessoas que ocupam todo o vago
meus ouvidos
minha mente
prefiro os espaços vagos
não-amplos
porque se me olha interrogando eu desconfio
se insinua uma promessa eu acredito
se enraivecido passa por mim me deixa acuada
risonho me irrita
calado constrange
um desconcerto
uma espera
serão os lugares?
eu quero pessoa.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

extinção

outro dia um funcionário de meu marido por educação e cordialidade me estendeu uma mão de boa noite, eu nunca tinha pensado nisto, mas então... meus deus! olhei o moço enquanto meu sorriso abobado erguia uma mão cúmplice de minha maldade, eu pensava: "meu rapaz por onde telefone-maçaneta-canetas alheias andou esta sua mão?" sorriso abobado, "boa noite!". depois, meu braço direito pendia ao lado do meu corpo, tendo pena de minha mão envergonhada, esta mão que a mim mesma se tornou imprópria, não coçar olhos, não cutucar orifícios, não comer cutículas... e onde estaria meu frasquinho de álcool, porque neurose pouca é bobagem e para mim as coisas e as pessoas estão impregnadas de infinitos seres micro-invisíveis e letais, mas as vezes também pergunto, será? pior é aquela senhora que não mais compartilha quaisquer objetos entre os de sua casa, afinal, "nunca se sabe, cê entende?" entendo. entendo sim.

entendo que o meu próximo é o outro. um que invade meu território, se ocupando do mesmo ar que eu, fazendo bailar no espaço suas partículas que se juntam com as minhas, mas nós não. nós nos distanciamos. nos repelimos. o outro me ameaça. eu também a ele.

há momentos que nostalgiando a história penso nas catátrofes épicas que devastaram uma civilização inteira, pestes, holocausto, inquisição. homens e mulheres escreveram a história com seu próprio pulmão, seu sobrenome, sua resignação e foram extintos. só restou a história. não eu não quero, não me interessa. não há poesia. é gripe de bicho porco, frango, zebra, gafanhoto.

vantagem terão os laboratórios. os caras de avental branco; baseados em evidências de hipóteses comprovadas, os caras aplicarão suas pesquisas e novas drogas surgirão, vacinas: micro-invisíveis agora não letais, mas cambaleantes, entrando por direito e permissão em nosso corpo para brigar com a matéria e por fim nos fazerem mais saudáveis. será? e sim, venderemos, ainda, muitas máscaras e muito álcool em gel. abençoado seja o mercado das oportunidades!

não estou alarmada, estou em pânico! pus os pés numa clínica outro dia e tive um prelúdio do apocalipse. todos os funcionários usavam máscaras verde-centro-cirúrgico. olhava a moça do atendimento se esforçando em ser compreendida quando falava comigo, ela respirava seu próprio hálito enquanto o elástico marcava seu rosto. o outro. eu. aquele que ameaça quando estende a mão, aquele que não pode chegar tão perto e que se oferece um pedaço de seu chocolate está afrontando um de nós, indecentemente.

mas eis o outro lado de todas as coisas: chegaremos, um a um, ao dia último. após centenas de mortes por agravo da síndrome gripal, noticiadas todos os dias - são proveitosas as tragédias, fazem-nos ter assunto, ocupação, idéias, amplia o mercado, gera emprego e desvia nossa atenção - pergunto: e os homens tantos? o morto nosso de cada dia, no trânsito, numa mesa de cirurgia, de tiro, nosso morto de fome, morto de tristeza... de um jeito ou de outro, morrem todos os dias, por epidemias ou só porque já se viveu demais. há vários modos de se chegar ao inevitável.

seja o que for, um dia, aquela coisa em nós que deambulava, que se aborrecia, que amava, que acreditou em deus, que teve filhos, que fabricou vacinas, que era muito gorda, que era muito séria, que era bem feliz, que ganhou medalhas, que sonhou sempre e se entupiu de mundo, aquela coisa que dizia com os olhos, que dizia e amava, esta coisa já não estará mais aqui.

e, no derradeiro instante, restarão apenas os invisíveis letais devoradores dos humanos, para depois também eles chegarem ao fim, quando nada mais restará. a involução! mas as baratas... será?

o caso é que minhas mãos estão ressecadas de tanto serem lavadas e desejo muito que, em nome do que quer que seja, esta epidemia seja controlada e a gente durma em paz achando que o mundo está em ordem. assim, eu poderei sem neurose sorrir e apertar confortavelmente a mão de um que me foi gentil, e finalmente, deixarei de invertar pensamentos e comportamentos maníacos porque tenho medo da extinção!

sábado, 1 de agosto de 2009

...um rio

viver é um rio.
!
não, eu não estou refeita. seguimos respirando vivo, mesmo sem condição. é que esta jornada me toma sempre de uma obrigação: quero entender.
mas eu não entendo nada! as coisas, antes que eu possa alcançá-las, mudam de cor, mudam a textura, mudam de lugar, de nome.
vagueio meu próprio coração (acho que é a primeira vez que uso esta palavra em meus escritos, veja só! que curioso...), e escrevo para me salvar do escuro, é o que faço com as palavras: me salvo.
então decido contar porque necessito encontrar uma paz, porque necessito aliviar-me das imagens que tomaram meus dias e para talvez significar, mesmo sem entender, pois afinal eu sei: não se pode entender, não tudo. e mesmo não importa, nada é definitivo neste nosso entendimento das coisas.
me recolho porque do lado de fora de mim não há.
converso com as palavras, sentada do lado de fora, onde há um silêncio dentro, um que me invade e me serena.
há a chuva que me desconsola. serão longos os dias. espero que a primavera venha antes mesmo que o inverno acabe.
...
viver é rio, a gente escoa, sem condição.
já é agosto!