sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

passagem

façamos, às horas que virão, um acordo com o tempo. farei eu, às horas tantas, às horas escuras e mudas, um acordo... não mais deitar a vida em dias e noites que se roubam diante dos ponteiros. o tempo nunca nos mentiu, ele nem começa e nem acaba, apenas ingenuamente marcamos dias e datas, estas que passam sem nos percorrer.
que se evapore de mim, junto com meu suor, a ânsia. sim! às horas mudas, onde dormem as palavras mais sábias: as que não foram ditas; a imensidão e a correnteza unam sensações para que até meus pêlos saibam que não há novembros, nem as cinco horas da tarde. tudo é eternidade, desde o instante primeiro, tudo é eternidade. o tempo desenhando mapas sobre mim, atravessando-me. a vida há de ser qualquer coisa que nos atravessa e o tempo há de sempre ser.
havendo deus, que ele venha até mim, de novo re-encarnado e que esta força que há em nós, esta coisa que age e pensa, se despregue do tangível a fim de alcançar o ser. então meus olhos estarão no longe do sem-fim e em minhas mãos... o que guardariam minhas mãos se eu soubesse o que é o tempo?


sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

mundão

para lucas e sofia
ele gostava de estudar, não gostava era da escola. o menino. não gostava de calçar sapato e ficar sentado no banco da classe; olhava pela janela. a professora, dona genuína, queria os meninos todos quietos de olhos arregalados e boca parada. mas enquanto ela falava, aquele, o menino, pensava em muitas perguntas, o seu problema era um buraco que tinha na cachola e o querer de caber ali o mundo inteiro.
quando aprendeu ajuntar as letras foi o mundo que bateu na sua porta, inundou seu travesseiro, os bolsos do calção, seu café com leite e até o balanço atrás no laranjal. as letras lhe contavam o segredo do mundo e o menino mais podia perguntar e ouvir e ler e pensar. e o menino lia tudo quanto era letra, lia embalagem de macarrão, placa de posto de gasolina e até vidro de remédio.
e bem sentia o gostoso que era saber ajuntar as letras e imaginar as coisas dentro do pensamento, como quando leu as aventuras do avião vermelho que a professora o deixou levar durante as férias.
as vezes ele pensava no mundão de palavras que existia e qual era a serventia de tantas “ será que sobra palavra no mundo que fica sem uso e capaz inté de estragá”
o menino passava as tardes explorando no quintal de casa, guardava vários insetos num grande pote de vidro e observava, anotava num caderninho cada coisa interessante que os insetos faziam e o dia da morte de cada um. num outro guardava coisas quebradas e pedaços de coisas velhas, coisas que ninguém queira mais e pensando que um dia iria grudar umas nas outras e montar um grande e incrível máquina, que ele ainda não sabia qual era.
ele, o menino, era curioso de saber o que era o cinza grosso no céu antes da chuva cair, como era que a luz acendia na lâmpada e se bem-te-vi entendia o pio do pardal e vice-versa. aliás o menino se perguntava quem foi que um dia inventou o vice-versa, que é esta palavra que a gente usa pra dizer que um negócio assim-assim e o outro negoçado assim-assado também podem mudar de lugar e vice-versa.
mas nada que o menino pensava, perguntava ou lia, dava jeito no buraco da cachola, era feito uma frieira no pé, coça e dói, era feito o sentir uma aflição e agonia de maior grandeza que dava fogo nas pernas do menino e ele saia correndo, gritando, pulando barrancos e no fim rolava no chão dando risada. era quando o povo todo olhava aquilo assim: “ eita menino doido ou tá com o demo no corpo”
porque ninguém não entendia que a doidera do menino era só vontade grande grande de entrar nas coisas para saber como era ser elas mesmas. uma vontade de desatarraxar os parafusos de tudo para ver o que tem lá dentro e quem foi que disse a primeira vez o nome de uma coisa quando ninguém sabia o nome dela, se um dia a gente decidisse trocar os nomes e chamar cavalo de sapato, sal de mentira, bonito de feio e vice-versa, aí o pai diria: “menino ajeita o sapato na carroça que nois vamu pra cidade compra mentira!”
esse buraco na cachola do menino, era um sem-fim de imaginar, visava quando a mãe, lembrando de uma saudade, dizia que o coração estava apertado. “será que as tripas dão nó no coração? e quando a saudade puxa muita tristeza é o nó na garganta?”
o pai ralhava: “menino vai caçar o que fazê.” e ele:” uai, já to fazendo, to curiando!” é que as perguntas vinham feito pipoca estourando na panela, algumas até encruavam, era quando o pensamento fazia demasia de idéias que dava um silêncio de perguntação.
esse menino queria mesmo era conhecer o avesso do mundo e encher o buraco da cachola para ver se a coceira passava, mas ele sem saber sabia que tudo que ele via e revirava dava nele o abuso de querer ver um pouco mais, um tiquinhozinho mais, igual uma fome que depois do almoço já começa a pensar na janta. era isto: o menino queria comer o mundo.
“mas o mundo é coisa demais, o mundo é mundão!” pensava. então ele pensou numa estratégia , “que é uma coisa que a gente faz pra saber como é que a gente vai fazer a coisa primeira que a gente pensou em fazer”, e a do menino, como uma grande e boa idéia, era que ele iria comer o mundo aos poucos, sem pressa, um teco por vez, e nisto os dias passando o fariam crescer e junto com ele cresceria o buraco da cachola, até que um dia, de tão crescido que fosse, o menino, o buraco, finalmente coubessem neles o mundo inteiro.
eita menino doido!

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

sentido

a vida existe para que a gente aprenda a morrer.

                                                    k.guimarães



sexta-feira, 3 de setembro de 2010

retorno.



e se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: `esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indizivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e seqüência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. a eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez - e tu com ela, poeirinha da poeira!´. não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderias: ´tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!´   se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: 'quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?´  pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?"

nietzsche. a gaia ciência (341)

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

lá de casa – olhar de fora


asfalto, conforme sei.
calçadas de ambos os lados e são calmas, mesmo não se vê coco de cachorro nelas, raramente; mas há uns pombos urbanos que um dia a vizinha teve a brilhante idéia de alimentar e agora vivem lá abrindo suas cloacas na minha calçada.
no mais tem a curva que fez o motoqueiro enfiar-se portão adentro depois de arrancar a lixeira de ferro.
por suas dezenas de sobrados, classe média, pouca criança se vê, não que elas não existam, apenas não as vemos, o que vemos são os carros que entram e saem de suas garagens.
um ponto de ônibus e dois terrenos fechados aguardando quem neles construa.
é uma rua e nada mais. uma rua e o esgoto que corre por baixo.
EXERCÍCIO UM

vida – olhar de dentro

veja só.

casas enfileiradas: o que guardam após suas portas?

nenhum jardim que se veja da calçada, porém árvores uma a cada não sei quantos metros – conforme o manual da arquitetura urbana e meio-ambiente - árvores que firmaram raízes bem ali, nela.

pés que a atravessam e sobre eles pernas de toda espécie de gente, também pernas em carros diminuídos de espera por chegar a lugar um, enquanto ela mesma nunca sai do seu lugar, que o lugar de seu é ali a observar os homens passando com seus pés, pernas e carros cansados.

veja só, um caminho que num dia distante se abriu passagem e lugar de não permanecer. passagem.

casas erguidas pela vida que lhes necessitou. nem feias, nem bonitas, esquisitas pela maioria das vezes, cor de alface, cor de palidez e terra vermelha. terra há alguma que ainda está lá por baixo da espessa massa asfáltica.

latem cachorros no fundo dos quintais e gargalham as crianças correndo livremente dentro dos portões.

na primavera floreiam as árvores e se arvoreiam cheias de luz no verão, iluminando as casas, as calçadas e os cães. então as crianças mais que gritam e correm suas chinelas a pedalar bicicletas.

as casas, antes esquisitas, parecem agora alegremente agradáveis e arejadas, cores amarelas, sol-do-meio-dia.

o asfalto duro suportando ainda carros e pés e bicicletas.

veja só! uma rua que se alegra de sol e banha-se agradecida nas chuvas repentinas e refrigerais. convida seus passantes.

veja só eis o tudo e o nada, de resto... só o esgoto que corre por baixo.
 

EXERCÍCIO TRÊS

terça-feira, 10 de agosto de 2010

tempo

"Descobri que o tempo sou eu! Eu sou a minha própria estação!
E a minha temporada de agora é de flores! De pétalas! De alegria!
O tempo esta em mim e estou para ele...e eu sou quem diz como deve ser."
 
Luna Alcântara - Interiorizado (14)

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

outra dor

doeu ontem, doeu hoje o dia inteiro
na terça tive dor de estômago.
ando procurando deus.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

dor

Hoje, o homem que sofre precisa de sorte muito rara de encontrar um espaço desmobilizado (espaço de amizade) para autorizar a dor e desvendar o que ela sinaliza. Fora dessas condições, ele é necessariamente devolvido ao regime autobiográfico com uma ou duas costuras na ferida e mais um ou dois bálsamos neuroquímicos para parar de doer.
JG.PESSANHA, Instabilidade pérpetua

quinta-feira, 15 de julho de 2010

raiz

— não moço, não tenho não! como é? descendência. não tenho isto não. a família do senhor veio da itália? sei. a minha é assim moço, tinha meus pais, antes deles meus avós e antes deles parece que não tinha mais nada. eu devo ter vindo de um pé de couve ou do fundo de uma panela de ferro. simples assim moço. sou mineiro e nada mais.
se o homem veio do pó, nós aqui viemos da mesma terra onde depois plantamos o feijão, o milho e a cana-de-açúcar. isto ninguém sabe moço porque não se escreve nos livros, fica só na cabeça da gente pra ser contado depois. mas se o senhor quiser eu digo: a gente é feito da água que corria de um riachinho que depois secou. a gente viu ninho de passarinho, a gente ouviu o barulho de tudo quanto é bicho. o sol alumiava o dia, a lua alumiava a noite. e a terra cumpria seu prazo de plantar, brotar e ceifar.
a história que ninguém escreveu é esta. este negócio de descendência, a nossa deve que veio da garapa, da chuva grossa que caiu depois da estiagem. eu não sei dizer não moço, mas acho que é isto ou a gente brotou da terra feito mandioca.
um certo sujeito me disse que mineiro é assim, tem a cabeça com muita idéia e vive cercado pelos vales, daí ele tem que ir embora pra poder expandir, o sujeito que falou; se ele não vai embora fica amuado, fica até doido tem uns, porque a cabeça vai ficando grande demais. é deste jeito: os mais moços vão pra cidade; mas eles sabem do seu começo de raiz. igual aquela mangueira ali, olha a raiz dela moço, vai se espalhando, vai se embrenhando com a terra. nossa raiz se espalhou também, uns foram até para os "staites". mas vou te dizer pro senhor: no fim é tudo mineiro e nada mais.
um dia eles voltam pra terra, olha pra o senhor ver: se não for pra visitar os primos, pra ser comido por minhoca, é... muitos já foram pra o mistério sem fim, coisa que não se dá jeito. mas já nasceu gente demais também! e nós continua semeando. na mesma terra, só o riacho é que mudou.
o senhor veja moço, eu não sei nada não, mas se eu sei de alguma coisa te digo: o começo e o fim são da mesma qualidade de coisa. tudo é terra.





segunda-feira, 12 de julho de 2010

fotogramas

naquela empresa tem uma galinha com seu pinto e eles passam o dia tomando sol no estacionamento.
***
na placa estava escrito: AFIA-SE ALICATES
*** 
manual de práticas auxiliares para o bem viver*
passo um
responda-se: que pensamentos você anda pensando?
passo dois
já foi pra tua praia ou não sabe onde ela fica?
*Fascículos 2 e 3 em breve nas bancas
***
nunca dá para passar naquele pedaço da calçada, o tronco da árvore imensa estourou o concreto a sua volta e lá eles colocam os sacos de lixo.

_exercício 4º afetividade.

ela não podia deixar de ser. eu via um par de olhos de jabuticaba e a penugem negra sobre a pele muito fina com cheiro branco de azedo que até hoje procuro, assim como procuro eu mesma nela. desde estes dias lhe ofereço a vida a maneira que desejava que a tivessem oferecido a mim quando um dia habitei a infância.
dizem que depois que nasceu engravidou-se de mim e veio com ares de gratidão de vida. bem pequena, fixava os olhos de jabuticaba nos adultos, não chorava, não sorria, perguntava sem dizer: você quem seria? os anos passados lhe fez render-se aos sorrisos e faladeira.
sempre que a olho sei que estou ali. tem cabelos de cachos onde me afundo sem tempo. na presença dela, essa menininha, há sempre feliz aniversário, contar história inventada – de medo inclusive, fazer pose para a foto de mentira, pintar as unhas, escrever cartinhas de amor, brincar de comidinha, de colar figurinha e até brincar de mamãe e filhinha.

inspirado no curta-metragem "pai e filha" de michel dudok
 

quarta-feira, 7 de julho de 2010

desadormecimento

dei para ter assombro da noite.
antes, o medo de assombração de outro mundo, não me deixava abrir olhos no escuro ou na noite da noite. agora o que me assombra é a noite pura e as vozes que ela acorda, porque são umas que não me deixam dormir, que me fazem ficar atenta, obrigando-me que as escute e fique a matutar nas coisas tantas. estas vozes falam todas umas após a outra, sem respiração, vezes há que falam ao mesmo tempo e insistentemente, enquanto eu faço uma prece como quem está diante da estrela que cai: "que eu durma! que eu durma! por deus que eu durma!", mas não, a fala destas vozes não deixam criatura alguma repousar. e se por uma poeira de instante consigo desviar o ouvido delas dou de cara com a noite escura e silenciosa, a mesma noite que fez dormir todas as coisas; me assombro mais demasiadamente! este silêncio... e por quê? não sei! é o silêncio oco que põe medo no vazio. posso admitir terrivelmente não saber o que é pior, as barulhentas vozes na noite da noite ou a noite pura me espreitando, a noite com seu silêncio e suas horas, o desadormecimento, a vigília, os espectros...
há uma coisa assombrosa que a noite faz acordar!

sexta-feira, 18 de junho de 2010

lucidez

Sinto que passei minha vida dentro de um trem que jamais parou. Da janela, solitário, vi muitos lugares ensolarados e cidades escondidas onde desejei saltar e me deter. Mas eu nunca pude: quando nasci, havia no meu berço uma serpente negra e a primeira coisa que vi coincidiu
com a derradeira.
Juliano Pessanha, "Certeza do Agora"

_exercício 3º adjetivação.

joguei a chave fora. joguei. não importa, nem quis saber e nem me recordar. basta!
papéis, botões, retratos, cadeiras, laços, poeira. poeira muita que embaraçou-se aos objetos e ao cenário, às relíquias que não verei mais, que não mais terei minhas.
se alguém a encontrar e a querendo abrir que abra, que vasculhe após a porta, que possua suas quinquilharias e que faça para si memórias.
apenas parto e rompo com alguns algos que não me deram lugar, tampouco alma.
joguei sem hesitar, como ainda agora não hesito, não olhei pra trás, não dei lugar a um passo atrás, e não sentirei privação por nada que deixei e que ficou.
joguei virei-me e segui. não há nada em meus bolsos.

_exercício 2º (!)

 "...acendi um cigarro e fiquei pensando...
- humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei.
(manuel bandeira, poema para jaime ovalle)


recordando não de todas elas, mas especialmente das que deixaram em mim algo de que me lembro sempre às horas vagas.
de umas o cheiro dos cabelos, de outras a textura da pele. algumas prazerosas conversas, sorrisos, olhares e ânimos crentes de uma ordem no mundo.
assim como agora estou, aqui deitado, aqui sem pra quê, mas aqui – enquanto o tempo prossegue, assim também prossegue a vida e as conversas se foram, as horas prazerosas com elas.
esta chuva também há de se esgotar e depois, alguma hora dessas virá outra e após estas horas...outras. e as coisas da vida.
a manhã avança e acende-se o sol.
este quarto pede minha ausência, ensaio me levantar e acendo outro cigarro.

domingo, 23 de maio de 2010

habitus

que morada esta onde agora habito?
assumi contornos de minha existência, sou mais quem sou na vaga solidão preenchida dos amores amigos, dos livros e do meu caderno de escrita, parece que nada me falta...
vivo dias de brisa morna, esta preguiça desejosa de apenas habitar meu corpo, e esta leve dor no peito feita da saudade que sinto.
dezembro de minas, 2008

mundo

estive no mundo, mundo outro que vivi fazendo-me crer mundo meu, tecido pelo cotidiano raso e a ocupação na qual se dilui toda possibilidade de transcendência.
assim eu me fazia todas as manhãs do anseio dos outros e lhes deixava o mundo em ordem, mundo deles outros, de realidade explicada, correta, real. não era eu quem eu era e nem me lembro dos dias que foram, porque não eram dias meus.
assim vivi sem reconhecer-me, buscando contudo saber quem era a face que eu via no espelho; quem era a mulher que mirava-me ali? 
não nego porém, esta sonambula caminhada me legou vir a ser quem sou, e quem sou? uma existência que se sabe que se é, destinada aos sentidos, inteiramente percepção de um mundo, mundo eu constituída mundo.... admirável, sedento, ávido e espantoso mundo-eu.
é dezembro. verão. 2008

ausência

vivemos e habitamos uns aos outros entre as lacunas dos dias. minhas memórias se reconstrõem no reencontro de histórias alheias. a vida é surpreendente! tenho guardadas solidão e saudade, minhas raízes ficaram lá no "alto da boa vista" e por alguns anos morri, renasço agora na ausência tão dolorosa de meu pai e no reencontro com este passado. orfã muito cedo, faltava ainda muito dele para ser recebido por mim. os dias são alegres e eu tenho trabalhado tanto! assim as ocupações a que me dou preenchem os espaços, porém nunca me senti tão angustiada e tão só quanto agora. não há quem abra aquela porta, não há quem sente no sofá da sala, não há quem esteja junto e me traga alguma paz...

Meu nome

minha existência resume-se a uma angústia, uma falta do que não sei. nada que se faça, ou que se não faça, fará diferença na existência minha ao fim.
e o que dizer de existência! este signo que não basta, quando agora me faltam palavras enquanto me sobram agonias. e o que levo na dicotomia do que fizeram de nós: homem corpo, homem alma.
este que sou eu é toda a infinita falta do sentido e solidão de si. passo os dias me dando às minhas ocupações. assim vou àquele lugar todos os dias, mesmo querendo estar em outro, mas se em outro estivesse que mudaria no fim?
me alegro de tudo e sento, observo e depois me calo: não há o que se diga, porque não importa, porque nada acontece no meu dizer. e sou toda um fundo, fundo, fundo...
desejaria abandonar-me no viver, mas algo me prende a mim e aflora sensações, não racionalidades, não linguagem possível que constitua, apenas sensações neste corpo que eu sou e isto é tudo, mas é o quê?
após o silêncio, ainda há silêncio. após o vazio, ainda vazio. após o nada, nada.
eu estou aqui.
um 12 de março, quarta-feira, quase horas...

sábado, 15 de maio de 2010

conto mínimo

ela olhava os quadrados do piso atentando-se aos riscos e à luz refletida neles. ele, de sentimento entusiasmado, se dizia: meu deus estou aqui! ambos estavam à espera de algo a mais.
a tarde alegre e morna de outono os saudava.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

ciclo

a caverna do dragão não tem fundo,
o buraco de alice tem.
umbigo não é buraco é cicatriz.
se eu nascesse sem umbigo eu seria uma borboleta!

do carnaval

o carnaval, finalmente, está terminando para mim! para aqueles que o fazem acontecer na avenida, com seus carros, fantasias, suores e voz, ele está começando. nos dias em que trabalhei na organização do evento em minha cidade, pude observar o entusiasmo das pessoas envolvidas com a festa, as horas que antecediam o desfile, o dia da apuração.
a gana é de impressionar, se instala uma euforia não experimentada relativa a muitas outras coisas. os homens e mulheres se mostram, por vezes, irascíveis, parecem poder explodir a qualquer momento. mas qual a finalidade desta empreitada? ao fim, todo o esforço, todos os ânimos vão dar em quê? questão irrelevante ou mesmo imprópria.
ouso pensar: o carnaval é a coisa em si, em si por si, bastando a avenida para motivar sua feitura. o povo que manifesta em alegria suas crenças e até seu grito penso terem o bastante ao percorrer todo o caminho e ver sua obra revelada, brilhando na avenida. o bastante. sem a utilidade, sem o sentido último para a existência. sim, para centenas de brasileiros: o sentido. o que norteia sua trajetória, o que os faz sair da cama, algo a que se dedicar na passagem por aqui.
as dezenas de dias de costura, colagem, amarração, marcenaria, elétrica, ensaios, gastos, discórdias, batuques, experimentos, sofrimento e regozijo, vão desembocar em minutos de êxtase enquanto passa a avenida em baixo dos carros alegóricos, enquanto o samba samba nas pernas da mulata e as saias da baiana rodam fazendo-a girar mil giros. pulam foliões e festejam deuses africanos, incendiando o canto ao som da bateria que se torna então sua própria pulsação. e no deslocamento o tempo se faz e se finda.
dia seguinte, recolhidos os carros, arrumadas as fantasias, descansam os pés, contam e recontam tudo que se passou e planejam o novo de novo. ano que vem será ainda melhor!
e de novo.
feliz ano novo!

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

de quando a gente era criança

lembranças: as da infância.
os amigos no portão de casa chamando para brincar. um caderno de música do qual cantávamos todas as folhas sentadas na escada de minha casa. aniversários, bicicletas. bolas que rolaram pela avenida nunca mais recuperamos, e isto partiu nosso coração!
para onde foram todas as crianças daquela rua? onde se ouve agora seus gritos e suas risadas? os joelhos que sangraram ergueram sobre si homens e mulheres? não sei.
não sei para que cidade foram as crianças, não sei se cresceram ou se partiram, apenas me lembro do cheiro da chuva, do pêlo dos cães, do pó nas chinelas.
sonhos tivemos muitos. eu estava mesmo lá e lá deixei minha criança.
ensaio às vezes buscá-la, mas chove muito e a rua está perigosa, hoje não tem vento, não dá pra soltar pipa, e mesmo não sei se ainda corro tanto para roubar a bandeira.
passaram-se os anos, as aulas acabaram, restou-me muita lição de casa!
mas sei que dia desses me sentarei sobre a terra que guarda as raízes da laranjeira e uma joaninha pousará em meu braço, nesta hora saberei o que foi e terei a paz de ter sido sem sentir saudade, apenas alegria dos dias de groselha e dos outros todos que vieram depois e até aqui.