quinta-feira, 15 de julho de 2010

raiz

— não moço, não tenho não! como é? descendência. não tenho isto não. a família do senhor veio da itália? sei. a minha é assim moço, tinha meus pais, antes deles meus avós e antes deles parece que não tinha mais nada. eu devo ter vindo de um pé de couve ou do fundo de uma panela de ferro. simples assim moço. sou mineiro e nada mais.
se o homem veio do pó, nós aqui viemos da mesma terra onde depois plantamos o feijão, o milho e a cana-de-açúcar. isto ninguém sabe moço porque não se escreve nos livros, fica só na cabeça da gente pra ser contado depois. mas se o senhor quiser eu digo: a gente é feito da água que corria de um riachinho que depois secou. a gente viu ninho de passarinho, a gente ouviu o barulho de tudo quanto é bicho. o sol alumiava o dia, a lua alumiava a noite. e a terra cumpria seu prazo de plantar, brotar e ceifar.
a história que ninguém escreveu é esta. este negócio de descendência, a nossa deve que veio da garapa, da chuva grossa que caiu depois da estiagem. eu não sei dizer não moço, mas acho que é isto ou a gente brotou da terra feito mandioca.
um certo sujeito me disse que mineiro é assim, tem a cabeça com muita idéia e vive cercado pelos vales, daí ele tem que ir embora pra poder expandir, o sujeito que falou; se ele não vai embora fica amuado, fica até doido tem uns, porque a cabeça vai ficando grande demais. é deste jeito: os mais moços vão pra cidade; mas eles sabem do seu começo de raiz. igual aquela mangueira ali, olha a raiz dela moço, vai se espalhando, vai se embrenhando com a terra. nossa raiz se espalhou também, uns foram até para os "staites". mas vou te dizer pro senhor: no fim é tudo mineiro e nada mais.
um dia eles voltam pra terra, olha pra o senhor ver: se não for pra visitar os primos, pra ser comido por minhoca, é... muitos já foram pra o mistério sem fim, coisa que não se dá jeito. mas já nasceu gente demais também! e nós continua semeando. na mesma terra, só o riacho é que mudou.
o senhor veja moço, eu não sei nada não, mas se eu sei de alguma coisa te digo: o começo e o fim são da mesma qualidade de coisa. tudo é terra.





Um comentário:

Geir Fernandes disse...

...voce escrevendo para ser tão fácil....
Seu fã e companheiro