sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

minha vida

tenho uma vida calma, vou a poucas festas, tenho poucos amigos, raramente visito quem quer que seja e também não recebo visitas. quando posso leio, quando posso durmo. falo pouco pela falta do que dizer ou pela falta de quem me ouça. assisto alguns filmes, e acho suas histórias, as histórias dos filmes que vejo, parecidas com minha vida, aquela que acontece dentro de mim. faço refeições corriqueiras, pelo desejo que não tenho tido dos sabores, só me interessa a possibilidade da boa companhia. visto-me a maneira que mais me diverte, quando se trata dos sapatos, escolho os que me podem levar a muitos lugares. demais hábitos meus são previsíveis, embora inconstantes.
tenho uma vida simples, faço coisas comuns e cotidianas, as vezes tento escrever, mas no geral são só coisas confusas e sem importância, passo mais a viver os dias no cumprimento de minhas obrigações e até aprendi a considerá-las interessantes, quando no fundo sei que não são. isto também aprendi: conviver com a vontade e a necessidade que se misturam, sabendo que só tenho a fazer o que tenho que fazer. caminho deste modo entre as gentes no mundo. já sei sorrir cordialmente, já sei guardar comigo minha mais sincera opinião a respeito das coisas, consigo esperar sem agonia pelo que há de ser (tenho cultivado a des-esperança), e pratico muito o oficio de dizer as palavras dando-lhes a devida intenção do que de fato quero dizer, este é o exercício que mais aprecio na vida, gosto das palavras, tenho admiração e quero a amizade delas, mas nisto também sou complacente, ainda não faço o seu bom uso, não sempre! me encontro, em muitos momentos, incapaz de escolher uma entre outras, desconheço várias delas, evito o quanto posso outras tantas e chego mesmo a admitir o silêncio quando, com assombro, descubro não haverem ainda palavras que digam o que minha voz anseia dizer.
tenho uma vida nostálgica, pois como muitos, guardo carinhosamente as lembranças da infância, dias de escola, chuvas, brincadeiras, doces, machucados, primos, natais. também conto algumas minhas histórias, que em sua maioria sem tornaram melhores; ao recordarmos o passado nada mais fazemos senão recriá-lo, e assim o pintamos com as cores que desejamos, de modo que em geral, a imagem de agora apesar de embaçada é mais colorida. chegará o dia, quem sabe, que terei vários arco-íris com palavras, serão eles minhas memórias.
enfim, tenho uma vida. guardo meu luto, tenho meus sonhos, reconheço minhas paixões e sinto saudade...ainda que me doam os ombros e que minhas pálpebras estejam cansadas, assim como minhas mãos, entre as horas e as semanas rabisco esta vida. faço drama, confesso! é que em alguns momentos perco a noção da maturidade, faço dramas escandalosos até, quando perco também a noção da decência ou da delicadeza, e de vez em quando choro dissimulada, porque na maioria das vezes choro dilaceradamente e sozinha, são de fato os dias todos. guardo dentro de mim o peso de que o mundo seja este mistério, com o aperto que sinto no peito por tanta fome e pela falta de sentido. tento ignorar a consciência de que não há resposta e a insistente pergunta: isto tudo que vejo, toco, sinto, isto tudo que me atinge, tudo que gozo, o que me dói, as pessoas que conheço, a vida que passa, tudo isto...de que se trata afinal? de quê?
k.guimarães, janeiro 2009, hoje é sábado, estou hibernando.

2 comentários:

Claudia disse...

Que texto tocante, Kelly !
Tão leve e tão profundo, ao mesmo tempo...como você.
Maravilhoso

kelly guimarães disse...

obrigada...!